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A porta da casa está aberta? Aspectos relacionais entre cuidadores (formal e familiar)

"Às vezes tenho receio em não saber lidar com as pessoas da casa onde vou trabalhar como cuidadora e com as exigências em relação ao cuidado". Cuidador- formal (Diário, 2019)


"Nos dias de hoje existem muitos cuidadores, o desafio é encontrar um que entenda a importância de enxergar a pessoa antes da doença, que saiba manter uma relação respeitosa, comprometida e saudável não só com o idoso, mas com os demais da casa". Familiar-cuidador (Diário, 2019)


"A porta da casa está aberta?" Idoso com Alzheimer (Diário, 2018)




Diante de tantas urgências por respostas práticas quanto ao cuidado do idoso com a doença de Alzheimer, qual a importância de falar e refletir sobre alguns aspectos relacionais entre cuidadores (formal e familiar)?

O dia 21 de setembro é, mundialmente, dedicado à conscientização da doença de Alzheimer, uma doença que tem atingido parte significativa da população idosa, mas não só os idosos, pois existem diagnósticos em pessoas com pouco mais de 50 anos.

Esse dia evidencia a luta diária de todos os envolvidos nos cuidados. Um dia de visibilidade; de enfrentamento à escassez em investimento em políticas públicas para o idoso; de reconhecimento que o cuidado deve ser uma prática voltada não só para a pessoa com a doença, mas para os cuidadores (formais e familiares) e para as relações que a doença produz.

É fato que em algum momento a doença de Alzheimer requer da família e/ou daquele familiar-cuidador, que possua certo recurso financeiro, o auxílio de um cuidador formal junto ao idoso que vem perdendo sua autonomia, já que cuidar sozinho, torna-se uma tarefa desafiante, árdua e de grande responsabilidade.

A porta de casa está aberta? É uma alegoria disparadora dessa conversa. A casa do idoso, da família é cheia de significados e afetos, alegres ou tristes. Ela é mais que um espaço físico, nela histórias de vida são contadas em todo canto. Uma casa que, ao longo do diagnóstico e do processo de adoecimento, segue passando por várias transformações quer sejam espaciais, financeiras, físicas, psicológicas, emocionais.

É nessa circunstância que essa casa, até então estranha, abre sua porta ao cuidador-formal, a essa pessoa que traz consigo uma visão de mundo, modos de vida, de pensar, de sentir que, em muito difere dos moradores da casa.

Os cuidadores, a família e/ou familiar-cuidador e o idoso são elementos vivos dessa tríade relacional que passa a ter como objetivo principal o cuidado, em especial o "cuidado em saúde" que envolve não só uma dimensão objetiva, mas subjetiva, pois a doença de Alzheimer impõe manejos nas relações entre as pessoas, o cuidado e a casa.

De um lado, o cuidador formal precisa entender que sua abordagem deve ir além de uma postura objeto/sujeito, pois por detrás da doença há um sujeito. Do outro, a família e/ou familiar-cuidador carece entender que o cuidador formal é muito mais que uma força de trabalho remunerada que frequenta sua casa por determinado período. Ele agora se tornou um colaborador diário.

E bem ali no meio desses dois polos está o idoso - um ser subjetivo - vivenciando a perda progressiva de memória recente, de capacidade de atenção/concentração; desorientação no tempo e espaço; com dificuldades de linguagem, comunicação e planejamento de suas atividades.

Nessa relação podemos perguntar: quais parâmetros, além dos legais e formais, podem ser acordados, experimentados entre os cuidadores e o idoso para que não falte respeito, compromisso e, por que não, afeto? Afinal, esse cuidador passará, minimamente, oito horas por dia nessa "nova casa", salvo quando estiver por lá em turnos/escalas.

São várias as configurações familiares e de casas, em algumas delas o idoso mora sozinho em outras, com filha (o) e/ou demais membros da família. Em cada uma delas, sempre haverá muitas questões que atravessam as relações existentes nesses espaços. Como afinar a sintonia, o diálogo, o respeito, a empatia para haja uma convivência harmoniosa no cuidar?

Considerando que ambos cuidadores têm opiniões e estratégias quanto à atenção à pessoa; à higiene e aparência; alimentação; administração de medicamentos; acompanhamento em consultas, segurança, organização de agenda e informações que, em alguns casos, são compartilhadas e em outros, após acordadas, são exercidas pelo cuidador formal.

Essa reflexão ganha mais sentido quando atrelada à ideia de cuidado como algo que extrapola as urgências que a doença coloca, uma vez que o resultado dessa relação refletirá diretamente no idoso e no seu cuidado. Assim sendo, sintonizar essa relação, repleta de nuances, é algo que exige disposição, tempo e paciência entre os cuidadores, algo desafiante, mas necessário. Diálogo e respeito são ingredientes essenciais à alteridade e às experimentações que podem produzir saúde, ao contrário, se negligenciados, podem produzir adoecimento.

Nessa dinâmica familiar do idoso o cuidador formal se vê diante e dentro de questões que exigem sua postura ética. Na rotina ele observa reações, medos, angústias, em geral do familiar-cuidador, pela falta de coesão e comunicação por parte dos demais familiares em torno dos problemas e das necessidades do idoso.

A convivência, ainda que esporádica, com alguns familiares que não estão envolvidos diretamente na rotina, pode lhe possibilitar a oportunidade de aprender certas delicadezas no trato pessoal, pois alguns familiares tendem a considerar certos cuidados como exageros e a desconsiderar o diagnóstico, considerando que eles presenciam, nos breves momentos das visitas, fragmentos de comportamentos e não a sequência com que eles se dão.

Em alguns arranjos familiares, o cuidador formal é a pessoa que convive mais próximo do idoso, passando a ser aquele que geralmente consegue identificar sintomas e necessidades do idoso com mais precisão, pois é nas tarefas cotidianas que as falhas se tornam perceptíveis.

Práticas de cuidado como escuta, flexibilidade, atenção, acolhimento do cuidador-formal, nesse "novo espaço-casa", podem promover vínculos, saúde e ajuda para estabelecer e suportar, com certa leveza, sua relação com o idoso, com o cuidado, com a família e/ou familiar-cuidador e com possíveis perdas que seu fazer impõe. Para daí, construir alternativas e aproveitar possibilidades.

A doença de Alzheimer traz desafios próprios que requer, por parte dos cuidadores, flexibilidade, abertura ao inusitado e adaptação às mudanças. É bom lembrar que nesse "jogo de relações" existem pessoas em estado de aprendizado que, em geral, não trazem na bagagem a cultura do cuidado, no sentido mais amplo da palavra, o que nos leva ao esquecimento da premissa que o cuidador formal também precisa dele.

Sem pretensão de esgotar o tema, o que esse texto propõe é pensarmos um pouco sobre o que se passa quando a porta de uma casa se abre ao cuidado, a um cuidador-formal. Falar de aspectos relacionais, nesse contexto, nesse mês de setembro, é lançar um olhar gentil para nossa condição de humanidade - que atravessa e circula o ato de cuidar - pois todos nós, em alguma medida, precisamos de cuidado, todos os dias. Até breve!



Referências:


O cuidador formal domiciliar de idosos: aspectos psicológicos e vivências emocionais. Mais 60 - Estudos sobre Envelhecimento. v.29, n.72, Dez. 2018, p. 26 a 47.


Abraz - Associação Brasileira de Alzheimer.

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