Esquecer, lembrar, esquecer e ser esquecido.
"Minha cabeça não anda muito boa." (Ela, 89 anos) "Eu sofro em saber que estou sendo esquecida, apagada da memória dela." (Familiar-cuidadora) Quem nunca experimentou aquela sensação de ter sido esquecido? Esquecido de ser convidado para aquela festa, de ser avisado da reunião, de ser chamado para a saidinha com os colegas, esquecido do aniversário... Cada pessoa vai construindo jeitos de manejar essas situações cotidianas. Ser esquecido é ser apagado do campo da lembrança, ser lembrado é ser eternizado nele. Imagina todo dia ser apagado da memória de alguém muito querido como sua mãe, seu pai, seu avô, sua avó? Consegue imaginar que vai chegar o dia que você não existirá plenamente nessa pessoa? Que, por vezes, estará presente somente em pequenos fragmentos? A memória recente de um portador da doença de Alzheimer vai se deteriorando a ponto dele não conseguir lembrar das pessoas mais próximas que compõem sua história. Pensa o quanto isso é difícil, de um lado está alguém, sem clareza do que está acontecendo com ela, do outro alguém, consciente, que precisa entender o que está em curso e o que virá pela frente. Como atravessar, lado a lado, esse processo de esquecer e ser esquecido? A depender da relação construída entre ambos, o esquecimento pode evocar sentimentos, sensações, frustrações que estão por anos presentes em suas histórias. Ser destituído da memória do familiar querido toca de maneira delicada nos afetos do familiar, agora, cuidador. Esquecer pessoas importantes, mesmo estando adoecido, também toca e enfraquece os laços afetivos e relacionais da pessoa com Alzheimer produzindo nela confusão, medo, insegurança e solidão. A pessoa que é esquecida vai produzindo um corpo capaz de criar outros modos de se fazer presente na vida daquele que a esquece. Aprende, não sem dor, que existem outros modos de ser lembrado. A compreensão da doença é extremamente importante para a construção desse novo corpo-cuidador afetado, que agora pede passagem. Exercitar o cuidar de si é uma potente maneira de se manter vivo no e para o outro.